Ela limpou a casa da melhor maneira que podia. A visita estava por chegar e tudo precisava estar arrumado. A casa não era bonita. Longe disso. As paredes estavam sujas e a muito não via tinta nova, o piso tinha aparência desgastada pelos passos daqueles muitos que por ali passaram mas ainda assim tratava-se de uma casa grande e imponente.
Feliz por ter terminado e ansiosa por matar a saudade, passou na frente daquele espelho colado na porta do guarda- roupas e por um instante fitou o reflexo de seu rosto. Os cabelos brancos, as rugas e alguns cravos denunciavam sua idade. Abaixou a cabeça, olhou para as pequenas mãos calejadas e percebeu que o tempo havia passado rápido, mas logo se recompôs, não havia lugar para este tipo de pensamento, o importante é que a casa estava limpa e ponto final.
O pouco estudo não a impediu tornar-se uma mulher prendada e como boa anfitriã, lembrou-se daquele bolo de milho que sua visita tanto gostava. Comprou os ingredientes e o fez com gosto. Ela sabia que ele iria ficar muito feliz com a surpresa.
Por ultimo, mas não menos importante, preparou a cama. O lençol recém lavado na véspera estava com aquele cheirinho bom de roupa seca ao sol. Ela puxava, esticava e contente com o resultado concluiu que todos os preparativos haviam sido feitos.
O telefone tocou. Seu coração bateu forte. Era a voz de um homem mas ela a ouvia como se fosse a de um menino. Seu sorriso se abriu quando ouviu duas palavrinhas mágicas, "estou chegando". Rapidamente ela olhou para a sala, correu no quarto e confirmou o estado da cama e já na cozinha viu que o bolo ainda fumegava de quente. Seria um dia feliz.
Ele chegou. Estivera longe por muitos e muitos anos. Era alto e bonito. Bem vestido. Ela olhou e meio que ao mesmo tempo abriu os braços e um sorriso. Ele se aproximou, olhou ao redor como que desconfiado e a abraçou também. O sorriso insistia em não sair do rosto dela, mas o rosto dele parecia não apresentar qualquer tipo de reação a não ser aquele educado risinho sínico de canto de boca.
- Por que demorou tanto para vir, perguntou ela sem desmanchar aquele sorriso.
- Estive ocupado demais com o trabalho e minhas coisas, respondeu ele com um tom de voz polido.
- Sente-se aqui, o sofá é novinho.
O homem sentou e tornou a olhar ao redor. Ela sentiu algo estanho nele pela primeira vez: - O que foi? Perguntou ela.
- Não foi nada, respondeu ele mais uma vez com aquele tom polido.
Ela o chamou para a cozinha e enquanto caminhavam até lá por aquele corredor comprido fez uma série de perguntas e todas prontamente respondidas.
Ao chegarem na cozinha ele olhou diretamente para aquela parede em que dois azulejos haviam caído. Ela percebeu e se envergonhou. Havia tido um trabalho danado para limpar todos os azulejos e torcia para que ele não reparasse aqueles dois faltando, mas ele reparou. Para tirar a atenção dele das paredes disse: - Vamos sentando, fiz aquele almoço com tudo o que você gosta e além disso a sobremesa é bolo de milho.
- Obrigado mas já almocei, respondeu ele rapidamente.
- Coma, está tudo fresquinho, acabei de fazer, respondeu ela ainda sorrindo.
- Não vou comer, estou cheio.
- Mas coma só um pouquinho, ao menos o bolo, pediu ela meio que murchando.
Sensibilizado com aqueles olhos pequenos mais ainda assim tão vivos ele pegou um pedaço pequeno daquela forma de bolo enorme e colocou na boca. Antes de pôr o café na xícara, olhou para o fundo dela. Bebeu e ficou calado.
Aquele sorriso no rosto dela havia sumido. Seu semblante ficou triste.
- O que aconteceu? por que você está tão estranho? Por que não comeu nada? Por que fica olhando para cada canto da casa e não olha para mim? Perguntou ela angustiada.
Pressionado, ele explodiu:
- É esta casa mãe! Está feia, caindo aos pedaços. Parece um barraco. Os móveis ainda são aqueles da época da minha infância, tudo está tão sujo, e a senhora? Olhe para a senhora? Está tão mal tratada. Fiquei tanto tempo longe e quando volto tudo parece ter piorado. Eu não dormiria aqui nunca, deve ter rato e barata.
Ela abaixou a cabeça e olhou para um lado. Trouxe as mãos ao rosto e sentiu uma lágrima se formar no canto de um olho. Ela não queria chorar. Aquele deveria ser um momento de alegria e não de vergonha e tristeza. Ela segurou como pôde mas as lágrimas em momentos assim parecem ter mais força do que podemos imaginar. Ela não aguentou tudo aquilo e chorou. Aquela não era mais a sua criança, era apenas um estranho. Bem vestido e com uma voz familiar mas ainda assim um estranho.
Ele, percebendo a barbaridade que acabara de fazer tentou acalmá-la. A abraçou. Pediu-lhe desculpas mas nada continha aqueles soluços. Tanta cultura, tanto estudo parece tê-lo deixado cego e arrogante. Não havia mais o que fazer. A dor havia sido causada.
Ele levantou-se e despediu-se. Ela andou pela casa. A cama estava lá. O lençol ainda esticado com tanto esmero permanecia intocado. Virou-se, fechou aquela velha porta com a pintura descascada e novas lágrimas preencheram-lhe a face. Na cozinha a comida ainda estava morna mas isso não importava mais. Nem mesmo o pequeno arranjo de flores em cima da mesa a consolava. Ela sentou na cadeira mais próxima e chorando adormeceu.
Moral da história
Uma xícara quebrada, ainda que se cole os pedaços, jamais voltará a ser a mesma e assim são as feridas impostas ao coração de uma mãe.
Um comentário:
Que beleza de texto mestre. O que mais me impressiona é exatamente a hora que você postou.
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