sábado, 5 de agosto de 2017

Friozinho bom



A noite estava fria naquele dia. Garoava um pouco. Não aquela garoa forte. Muito pelo contrário, aquela garoa fininha que quase não molha mas que é o tormento de quem usa óculos.
Com uma mão sobre a testa em posição de marinheiro a avistar terra firme estava ela a proteger aquelas lentes grossas sem muito sucesso. Ela pulava de poça em poça tentando não molhar a bota nova também. Coisa de mulher, sabe como é. Cada roupa, cada acessório tem um momento de brilhar e uma poça qualquer não tinha o direito de estragar tudo.
Estava a perto de casa. Numa noite de tempo bom já teria chegado, mas o tempo ruim não ajudava muito.
Aliviada abriu o portão com certa pressa. Quase não sentia os dedos. O frio quando quer pode ser muito maldoso. Como pôde querer castigar mãos tão pequenas e delicadas como aquelas?
As pessoas costumam falar sobre o calor humano e ele de fato existe, mas se intensifica apenas dentro de um lar. E foi assim que ela se sentiu quando abriu a porta da sala. O ar quente a envolveu como um abraço amigo.
A chaleira apitava com água ainda em fogo baixo no fogão. Duas xícaras dispostas sobre a mesa. Saquinhos de chá preto com bergamota. Seu preferido. Um sorriso surgiu naquele rosto. São em pequenos gestos se que demonstra o quanto conhecemos alguém e o quanto podemos receber e dar carinho a quem amamos. No caminho para casa ela pensou sobre um monte de coisas do serviço, da faculdade, da vida, mas duas xícaras ainda vazias fizeram-na lembrar que nada mais importava a não ser estar ali naquele momento.
Num estalo ela acordou daquele transe bom, desligou o fogo e correu pela casa a procura do responsável por aquele carinho singelo.
Lá estava ele no sofá. Todo embrulhado em uma manta em frente da TV. Parecia um mendigo de tão empacotado pensou ela, mas evidente que tudo o que ela queria era estar enfurnada ali junto com ele.
Como que uma ladra no meio da noite, caiu de assalto por sobre ele deferindo beijos a queima roupa. Pareciam duas crianças brincando.
Existe amor em todas as coisas e em todos os gestos. Muitas pessoas não veem sentido nos dias frios, mas existe dois motivos pelos quais eles existem. Aquecer a alma e reforçar o amor.


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