O texto abaixo possui descrição sobre o enredo do filme bem como personagens e traça um paralelo com o filme original. Sendo assim, prossiga com a leitura apenas se de fato tiver curiosidade sobre a história.
Assisti ontem o remake do filme Robocop e posso dizer que pessoalmente gostei muito. A história se desenrola bem. O filme tem começo, meio e fim. E uma das coisas que me deixam em paz quando assisto a um filme: não tem ganchos para uma continuação.
Para analisarmos este filme, temos que simplesmente esquecer do Robocop original. Ocorre que o contexto é diferente e os temas abordados também. Outro ponto que conta e muito é o público que cada um quis alcançar. O primeiro teve censura alta devido as cenas de violência, mutilação e muito sangue. O segundo por sua vez teve censura 14 anos. Este talvez seja um dos pontos que poucas pessoas levarão em conta ao assistir a nova versão. José Padilha ficou obrigado a trabalhar o filme para uma faixa etária ao qual não é acostumado, mas isso não desabona o seu filme.
O filme da década de oitenta usava de muito sarcasmo e ironia para criticar o governo dos Estados Unidos. é necessário ressaltar que internet, câmeras de monitoramento, bancos de dados integrados e inteligência artificial naquela época beirava a ficção cientifica. Não desmerecendo o filme original, mas ele baseia-se quase que unicamente na violência insana e na crítica social.
O novo Robocop por sua vez também é um fruto da época atual em que vivemos. Nessas três décadas houve uma revolução com a internet e tudo e todos podem ser monitorados. Desta vez a crítica não é exatamente contra o governo americano, se bem que esta ainda existe e é mostrada nos primeiros minutos do filme, mas sim sobre até onde o ser humano pode brincar e lidar com sua humanidade. Alex Murphy é um detetive da polícia de Detroit que sofre um atentado devido a investigação de um criminoso que corrompe funcionários da própria polícia em troca de armas apreendidas.
Ele tem boa parte do corpo queimado e é na cena que aparece seu corpo todo mutilado que você percebe que a violência do original está ali implícita. O cientista responsável pela transformação de Murphy numa máquina detalha para sua esposa como será a vida de seu marido. Ele ficará cego de um olho, surdo, preso em uma cadeira de rodas. A imagem do corpo na tela e o rosto da esposa chocado mostra um certo terror psicológico que realmente incomoda.
Outra passagem do filme que causa muito impacto é quando Murphy pede para ver o que sobrou do seu corpo humano. Ele mesmo espantado solta um "não sobrou nada". De fato não sobrou quase nada, apenas cérebro, pulmões, coração e uma mão, nada mais. A cena é crua, mostra que sem o corpo robótico ele se resume a apenas restos de um corpo humano. O interessante aqui é que uma pessoa que queira refletir sobre existência encontra um prato cheio. De certo modo o filme discute a questão do que nos faz ser quem somos. Não é nosso corpo ou nossa beleza, mas sim nosso intelecto e apesar de ser apenas pedaços de um corpo, seu intelecto foi mantido. Ele tem lembranças, sensações, vontades e isso o mantém humano.
Outro ponto interessante que que assisti em uma entrevista do José Padilha foi a questão de uma das mãos ter sido mantida. No final das contas, a Ominicorp, empresa por trás do projeto do Robocop precisava passar a mensagem a população de que quem puxava o gatilho no final era um humano. Achei consciente esta atitude do diretor. Passaria como um detalhe estético apenas sem esta explicação.
O personagem de Samuel L, Jackson é fantástico. Me fez lembrar o Datena ou o Marcelo Rezende com esse programas "mundo cão" que temos aqui na televisão brasileira. Totalmente tendencioso e armamentista o programa e seu apresentador manipulam os dados de modo a poderem derrubar uma lei no senado americano que proíbe o uso de robôs em território americano. Ele faz um lob tremendo em favor da Omnicorp e seus produtos.
A trama política do filme se dá em torno dele e é fantástico ver como a mídia tem de fato o poder. Robocop é uma obra fictícia mas seria muito crível em qualquer lugar as situações ali apresentadas.
Por falar nas diversas tramas que o filme tem, a principal, ao meu ver, se desenvolve justamente em torno do personagem de Gary Oldman. Ele é apresentado com um doutor preocupado em devolver uma vida próxima do normal a pessoas deficiente, amputadas e etc. Apesar de demonstrar nobreza, como homem, ele também é corruptível. O presidente da Ominicorp (papel do sempre excelente Michael Keaton) o convence de desenvolver uma arma. De pôr um homem dentro da máquina. Os dilemas do doutor são cruéis. Ele não sabe ao certo o que criou e principalmente, não sabe do que sua criação é capaz.
Em determinada situação ele é obrigado a desenvolver um software que se sobressai ao cérebro de Murphy o fazendo pensar que está no controle. Aqui cabe mais um dilema: quando o software está atuando (toda vez que Robocop entra em modo de batalha e o visor cobre sues olhos) o ser humano dentro da armadura pode ser responsabilizado por suas atitudes?
O filme todo é muito bem contextualizado e tem dilemas por demais pertinentes aos tempos em que vivemos. Não fosse um ramake, Robocop faria muito mais sucesso, o problema do filme é ser comparado com o original sendo que ambos são mais que diferentes.
Eu recomendo o filme não pela ação ou pela violência mas por ser um filme de ficção científica que nos faz pensar e de uma maneira muito suave e fluída. Bom entretenimento.
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