terça-feira, 7 de março de 2017

Os anjos também caem



Ele era jovem. Devia ter o quê? Uns quinze? Talvez dezesseis anos. E ele sonhava. Era um ingenuo num mundo de espertos.
Sonhava sim. Com grandes feitos. Com uma vida melhor. Ele sabia que era capaz. Capaz de tudo. Capaz de transformar o mundo, mas ainda assim era um. Tão somente um.
Tinha boas intenções e um coração bom, mas ainda assim riam dele. Era sempre a aparência, o jeito tímido de não saber lidar com as brincadeiras de mal gosto. A dificuldade em saber lidar com um lugar novo e hostil.
Ele via as pessoas curtindo. Eram shows, viagens, paqueras. Tudo muito próximo dele mas ainda assim distante. Era um lugar impossível de entrar. Ser descolado para ele era complicado. Ser popular, algo inimaginável.
Sofria calado. Era motivo de chacota sempre. A noite na cama chorava em silêncio para que os pais e os irmãos não ouvissem. Em momentos assim, perguntava a Deus por que era tão diferente? E por que sofria tanto? Mas as respostas nunca vinham. O que vinha era um novo dia. Não um dia cheio de possibilidades mas um novo dia cheio de mais tristezas.
Era um rapaz simples. Sonhador, mas que de tristeza em tristeza, de trotes em trotes, de chacotas em chacotas passou a se tornar uma pessoa rancorosa, vingativa. Aquele mundo não o queria, ele também não o quereria mais.
Cresceu. Tornou-se um jovem homem. Passou a ter certa liberdade, contudo, os longos anos de tristezas e decepções haviam deixado suas marcas. A imaginação fértil se voltou para a mentira. Mentia para tudo e para todos. Fantasiava situações e em instantes havia uma história perfeita para corroborar viagens nunca feitas, amores nunca vividos, sensações nunca vividas.
O mundo era assim para ele. Tudo havia se tornado falso e para fazer parte daquilo ele tinha que ser o senhor da falsidade.
Ele de fato cresceu. Tudo que ele havia aprendido era desrespeito e o que ele retribuiu foi mais desrespeito ainda. Arranjava namoradas para logo em seguida as trair sem remorso algum. Uma pessoa outrora amorosa agora não passava de alguém para quem um sentimento pouco significado tinha. O mundo era assim e ele era o mundo agora.
Os anos se passaram e a vida desregrada cobrou seu preço. Lá estava ele. Vazio. Nem sequer lembrava de longe aquele garoto tão bom. Sozinho, viu todos ao seu redor prosperarem, mas ele continuou ali. Remoendo recordações ruins e culpando os outros pelo mal que fez a si e aos outros.
Criamos monstros o tempo todo. As vezes sem querer mas as vezes por diversão. Para não perder a piada. Fazemos anjos caírem com nossos atos errados e sequer damos conta.
Negamos a responsabilidade que temos e seguimos em frente. Até quando?

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